
Palco de glórias esportivas em Santiago foi transformado em centro de detenção para milhares de opositores após o golpe militar de 1973. Marcas da repressão são preservadas até hoje.
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SANTIAGO, CHILE – O Estádio Nacional Julio Martínez Prádanos, em Santiago, é o coração do esporte chileno, palco de finais emocionantes e celebrações populares. No entanto, suas arquibancadas e instalações guardam também as cicatrizes de um dos períodos mais brutais da história do país: a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990).
Logo após o golpe de Estado que derrubou o presidente Salvador Allende em 11 de setembro de 1973, o complexo esportivo foi rapidamente convertido no maior centro de detenção e tortura do regime. A proximidade com a capital e sua ampla estrutura fizeram dele um local estratégico para a repressão militar que se instaurava.
De Campo de Jogo a Campo de Concentração
Relatos e documentos históricos indicam que milhares de pessoas – estudantes, trabalhadores, intelectuais, políticos e qualquer um considerado opositor ao novo regime – foram levadas à força para o estádio nos meses seguintes ao golpe. Estimativas variam, mas falam em milhares de detidos passando pelo local naquele período sombrio.
Os vestiários, corredores, o velódromo anexo e até mesmo a área da piscina foram improvisados como celas e salas de interrogatório. Sobreviventes descrevem condições desumanas: superlotação, falta de comida e água, ausência de condições sanitárias mínimas e, principalmente, um clima constante de medo e violência. Torturas físicas e psicológicas eram práticas sistemáticas para obter informações ou simplesmente punir os considerados “inimigos” do Estado.
O ‘Jogo Fantasma’ e a Pressão Internacional
A transformação do estádio em prisão ganhou notoriedade internacional. Um episódio marcante ocorreu em novembro de 1973, quando a seleção de futebol da União Soviética se recusou a jogar a partida de volta da repescagem para a Copa do Mundo de 1974 contra o Chile no Estádio Nacional, denunciando seu uso como campo de concentração.
A FIFA enviou inspetores, mas a visita foi considerada superficial por muitos. Com a recusa soviética, a seleção chilena entrou em campo sozinha, marcou um gol simbólico em um gol vazio e garantiu a classificação para o Mundial. O evento ficou conhecido como o “Jogo Fantasma” e expôs a situação chilena ao mundo, apesar das tentativas do regime de esconder a realidade.
Memória Viva Contra o Esquecimento
Com o passar dos meses e a pressão internacional, os prisioneiros foram sendo transferidos para outras prisões e campos de concentração, como Villa Grimaldi e Chacabuco, e o estádio gradualmente retomou suas funções esportivas.
No entanto, apagar essa mancha da história era impossível. Após a redemocratização do Chile, iniciou-se um movimento para preservar a memória das violações de direitos humanos ocorridas ali.
Hoje, parte das antigas arquibancadas de madeira, na seção “Escotilla 8”, foi isolada e mantida como na época, um memorial silencioso aos que ali sofreram. Uma poderosa frase foi inscrita: “Un pueblo sin memoria es un pueblo sin futuro” (Um povo sem memória é um povo sem futuro).
O local é considerado Monumento Histórico e existem visitas guiadas focadas nesse passado, buscando educar as novas gerações e honrar as vítimas. O Estádio Nacional do Chile serve, assim, como um doloroso lembrete: um espaço de alegria e paixão pelo esporte que também foi palco do horror estatal, e cuja memória precisa ser preservada para que nunca mais se repita.